O Acompanhamento Terapêutico (AT) é uma forma de intervenção que busca utilizar o espaço de circulação do paciente (ex.: casa, cinema, praça, shopping, festa, hospital) para promover saúde, além de gerar outros efeitos importantes que vão além da clínica, por exemplo, reflexos políticos, sociais, comunitários, artísticos, arquitetônicos, etc. (SILVA, 2002).
Na sua relação com a Terapia Cognitiva (TC), o AT, enquanto clínica, tem os seguintes dez pressupostos básicos:
1. O meio para promoção de saúde pode ocorrer ao se agir sobre o modo como as pessoas pensam (atribuem significados) sobre si mesmas (eu/self), o contexto (pessoas, objetos, ambiente) e ao futuro (perspectiva vindoura).
2. A produção de significado (sistema cognitivo) influencia vários sistemas (ex.: comportamental, emocional, fisiológico, social, etc.).
3. Há influência recíproca entre o sistema cognitivo e os outros sistemas (conexão e interação).
4. Os significados têm implicações que são traduzidas em emoção, comportamento e funcionamento fisiológico (há especificidade do conteúdo cognitivo).
5. Os significados são construídos pela pessoa (conforme as suas singulares características). Os significados são corretos ou incorretos somente na relação com determinados contextos ou objetivos de vida de cada sujeito. Distorções cognitivas são pensamentos disfuncionais que podem apresentar erros no conteúdo cognitivo (significado), processamento cognitivo (elaboração de significado) ou em ambos. Se há desconforto no paciente e não há distorção cognitiva, há problemas concretos a resolver (ex.: doença incurável, desemprego). É freqüente encontrar casos de distorções somados a problemas concretos.
6. Os sujeitos são predispostos a fazer “distorções cognitivas” (“vulnerabilidades cognitivas”), que podem gerar, manter ou agravar suas patologias e demais problemas (ex.: educacionais, familiares, sociais, profissionais).
7. A patologia (além de poder resultar de alterações genéticas, fisiológicas, acidentes, etc.) também pode resultar de “distorções cognitivas” sobre o eu, o contexto e o futuro (“tríade cognitiva”). Cada manifestação clínica tem significados maladaptativos em conexão com os 3 elementos (eu + contexto + futuro). Por exemplo, os componentes da “tríade cognitiva”, na depressão, são interpretados negativamente (ex.: “eu, meu contexto e meu futuro são negativos”); já na ansiedade, o eu é tomado como inadequado, o contexto é tido como perigoso e o futuro como ruim; no caso da raiva e desordens paranóides, o eu é tido como maltratado e o mundo é visto como malévolo, etc.
8. Os significados cognitivos têm dois níveis: a) significado público e b) significado pessoal. O significado pessoal (“domínio pessoal”) são as generalizações que cada um de nós faz ao lidar com os fatos das nossas vidas. Ex.: um sujeito ao perceber que está anoitecendo (contexto), pode refletir que será assaltado (pensamento), ficar nervoso (afeto), passar a suar e sentir taquicardia (reações fisiológica) e sair correndo em busca de ajuda (comportamento).
9. Para o viés cognitivo há três níveis de cognição: a) nível automático (não-intencional); b) nível consciente; e c) nível metacognitivo, que gera análises adaptativas a partir de reflexões sobre pensamentos, comportamentos, reações fisiológicas na relação com o contexto. Todos os níveis de cognições são úteis ao processo clínico da Terapia Cognitiva e do Acompanhamento Terapêutico.
10. Os “esquemas” são redes estruturadas e inter-relacionadas de crenças (BECK, 1976) e não são fixos. O funcionamento psicológico não é adaptativo ou mal adaptativo “em si mesmo”. É apenas avaliando a relação entre as características pessoais e o contexto do paciente que se pode fazer o correto diagnóstico, elaboração do plano clínico, aplicação do tratamento e análise dos resultados terapêuticos (aferição da “valide ecológica” da TC e do AT).
Levando em consideração esse 10 pressupostos da Terapia Cognitiva (adaptados de BECK; ALFORD, 2000), digo que o acompanhante terapêutico (at) lida com o paciente mantendo atenção aos pensamentos, afetos, comportamentos e reações fisiológicas na relação com o contexto de vida do acompanhado e, partir dessa análise, elabora estratégias de intervenção.
Todo e qualquer tratamento utiliza suas ferramentas clínicas, seja ele qual for (ex.: Acupuntura, Farmacoterapia, Homeopatia, Biofeedback, Hipnose, etc.). As estratégias clínicas que podem ser utilizadas em AT, sob o viés da TC, são inúmeras (SILVA, 2012; CABALLO, 1996 e 2003; FESTINGER, 1975; RANGÉ, 2001; HAWTON & SALKOVSKIS, 1997; MCMULLIN, 2005), a título de exemplo, cito apenas o nome de algumas: “flecha descendente”, relaxamento muscular, psicoeducação, relaxamento respiratório, resolução de problemas, “projeção temporal”, criação de imagens mentais, distração, criação de dissonância, mudança de perspectiva, “gradiente de controle”, treinamento em habilidades sociais (THS), avaliação dos pensamentos disfuncionais, programação de atividades, “técnica da escada”, “estratégia das duas colunas”, etc.
O AT, sob o viés clínico cognitivista, é uma estratégia com visão psicobiossocial que busca auxiliar o paciente no processo de autoconhecimento para que o mesmo possa identificar pensamentos, comportamentos, reações fisiológicas e situações de sua vida que devem ser alteradas. Assim, não é suficiente “tornar consciente” o que ainda não está claro ao paciente; é importante ir muito além disso. O “saber” (o “conscientizar”), por si só, não resolver problemas (pode, inclusive, aumentar ansiedade e depressão), apesar de ser um “passo inicial” para saber por onde começar o percurso de busca de tratamento (resolução de problemas e promoção de saúde).
Se o problema está no pensar, é nele que o agente passará a utilizar suas ferramentas clínicas; se é algum problema concreto (ex.: câncer, acidente, traição conjugal, etc.) será sobre ele que a intervenção passará a agir, se forem dois (pensamento disfuncionais + problema concreto) ambos serão temas de tratamento e assim por diante com os outros vários sistemas.
Apesar de o rol de estratégias clínicas ser extremamente vasto, o plano de tratamento é sempre elaborado de forma singular pelo acompanhante/terapeuta no contato com o paciente em AT, pois cada paciente é único e os contextos são múltiplos e inusitados.
Enfim, todos os elementos importantes para cada paciente devem ser pautados tanto na Terapia Cognitiva quanto no Acompanhamento Terapêutico, inclusive, indo além da “queixa principal” do paciente para que os benefícios tenham “função social”, ou seja, com resultados positivos em menos tempo, com menos custo e menos sofrimento e, além disso, com repercussão positiva tanto no nível clínico quanto no ecológico.
Bibliografia:
- CABALLO, Vicente E. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo: Santos, 1996.
- CABALLO, Vicente E. Manual para o tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos. São Paulo: Santos, 2003.
- BECK, Aaron; ALFORD, Brad. O Poder Integrador da Terapia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
- BECK, Aaron. Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: International Universities Press. 1976.
- FESTINGER, Leon. Teoria da Dissonância Cognitiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
- RANGÉ, Bernard. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001.
- HAWTON, K., SALKOVSKIS, P. M. Terapia Cognitivo-Comportamental para Problemas Psiquiátricos: Um Guia Prático. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
- MCMULLIN, Rian E. Manual de Técnicas em Terapia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2005.
- SILVA, Alex Sandro Tavares da (org.). E-Book AT: Conexões clínicas no Acompanhamento Terapêutico. Porto Alegre: Edição do autor, 2012. http://siteat.net
- SILVA, Alex Sandro Tavares da. Acompanhamento Terapêutico & Vontade de Poder: Por um “fazer andarilho” em Psicologia. Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia. Centro de Ciências da Saúde.Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). São Leopoldo, RS, Brasil. 2002.
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